2 de setembro de 2023
Confesso. Não sou fã de futebol. Não que o ache desinteressante. Se não fosse, muita gente boa não teria despendido tempo para pensá-lo e até produzir literatura. Luís Fernando Veríssimo, Nelson Rodrigues, João do Rio, Ruy Castro, Ferreira Gullar e tantos outros. Com Lima Barreto, autor de O triste fim de Policarpo Quaresma, não foi diferente. Mas para criticá-lo. Dizia este, no início do século XX, momento em que o futebol começa a cair no gosto do povo brasileiro, que era um esporte que só gerava brigas e desperdício de dinheiro público. Mais tarde, o escritor alagoano, Graciliano Ramos diria que era “só fogo de palha”. E as coisas tomaram outro rumo. Para Paulo Mendes Campos “o brinquedo essencial do homem é a bola. Quem ganha uma bola descobre dois mundos, o de dentro e o de fora”.
Contudo, a despeito das várias opiniões geradas por este esporte que provoca tantas paixões ou a indiferença de alguns, o tomo aqui como uma boa metáfora. Próximo de completar 43 anos de idade me pego a pensar sobre esse número. Estou indo para o trabalho. Numa viagem de ônibus de pouco mais de meia hora. Tempo suficiente para passar por um torvelinho de ideias.
Começo a pensar que 43 é um número emblemático. Estou, assim como no futebol, a dois minutos de virar o tempo para o segundo momento do jogo. O famoso segundo tempo. Numa partida, que como no futebol dos europeus, o tempo corre em contínuo. São 90 minutos de jogo. Como assim? De onde tiro essa ideia de que tenho 90 minutos (anos) para fechar esse jogo da existência. O exemplo vem de casa. Penso em meu pai. 93 anos de idade. Lúcido. Dançarino. Ainda não conformado com a velhice. Brigando com o tempo. Ainda tentando cavar pênaltis na pequena área. Ensaiando dribles e piruetas para tornar a brincadeira ainda mais bonita. Ele que já está no prolongamento do jogo. Esperando um empate para uma nova prorrogação. Levar a partida para a morte súbita. Aquela em que um único gol põe fim a tudo. Assim, fico a imaginar que como ele, se o acaso, se a genética ajudar, se tudo der certo, se a fatalidade não der rasteiras, chego ao fim dessa partida. Mas isso é de menos. O que importa mesmo é o jogo. O tempo que ele durar. Como diz Riobaldo, lá no Grande Sertão Veredas, “o real não está na saída e na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.
Penso, que nesse jogo, os tempos são diferentes. O primeiro tempo dessa partida é outro tempo. É o tempo para se fazer alguns gols. Para se chegar ao segundo cenário com fôlego. Com um pouco mais de tranquilidade. Poupando energia. Trocando passes, tocando mais a bola e menos correria. Fazer gols nesse primeiro tempo é realizar sonhos. Consumar desejos. Não deixar as oportunidades a escanteios. É não deixar o amor a espera. Fazer amizades sinceras. Aprender a tocar o instrumento favorito. Deixar flores para quem se gosta. Fazer filhos. Brincar com as crianças. Ter sonhos coletivos. É sentir sempre a vibração da música favorita. Saborear o gosto do inaudito, do desconhecido. Mergulhar na simplicidade do que é simples. É carpe diem.
Porém, se lá no futebol real o campo se divide em dois. Ocupado por times em lados opostos. Duelo de adversários. Aqui não se pode ver oponentes. Como diz o poeta Fernando Pessoa, “tudo o que vemos é outra coisa”. Do outro lado, não se posta competidor. Está a vida. É com ela que jogamos o jogo. Nunca rival. Porque não se pode vencê-la em jogo algum. Não se pode tomá-la por adversário. Repito. Ressalto. Alinhavo. Com ela só se pode jogar junto. Mistério do mundo. Sua escalação é implacável. Por isso, deve-se jogar sempre, como se referiu certo narrador a um craque do futebol, com a alegria nas pernas. Com a paixão de quem espera chegar ao segundo tempo com um placar minimamente largo. Ao menos no empate. Lembrando que nesse campo o mais importante é estar no jogo.
(Ronaldo Ferraz é natural de Vitória da Conquista e professor da Educação Básica)