A literatura desfila na Sapucaí em três escolas de samba, mas se considerarmos o livro Lunário Perpétuo, escrito pelo espanhol Jerónimo Cortés lá no século XVI, um almanaque sobre diversos temas, teremos a inspiração literária em quatro escolas.
Um defeito de cor da escritora Ana Maria Gonçalves serviu de inspiração para a Portela compor o samba-enredo. O livro, vencedor do prêmio Casa de Las Américas é uma emocionante narrativa de lutas, resistência, resiliência e identidade negra. A personagem principal, Kehinde, faz uma autobiografia (fictícia) que começa na África quando ela, a irmã gêmea e a avó são capturadas e jogadas em um navio negreiro que vinha para o Brasil. No romance, entre escravidão, amores, lutas, empreendimento comercial, busca do filho que o marido vendeu como escravo e o retorno à África, Kehinde é uma mulher sofredora, autônoma, feminista e soberana. A personagem principal foi inspirada em Luiza Mahin, mãe de Luiz Gama, poeta baiano abolicionista e advogado, cuja história dos dois é reconstruída nesta magnifica fabulação criada pela escritora. O belo e volumoso romance não é apenas a história da heroína Kehinde e suas transformações e identidades sociais, é também a história de mulheres vítimas do escravismo, do patriarcalismo e do mercantilismo da época; é a história de mulheres negras em suas individualidades e lutas inseridas na diáspora africana, nos sofrimentos e violências simbólicas que os negros sofriam na época. elementos da cultura da, religiosidade africana e da história Revolta dos Malês são revelados no romance que, segundo a autora, foi fruto de muitas pesquisas históricas e antropológicas.
Samba-enredo da Portela:
A Acadêmicos da Grande Rio vai também na pegada da ancestralidade trazendo como base o livro misto de literatura e ensaio Meu destino é ser onça, escrito por Alberto Mussa, que originou o título do samba-enredo Nosso destino é ser onça. O livro, laureado com o prêmio Machado de Assis e Casa de Las Américas, procura recriar o mito da criação do mundo segundo os Tupinambá. Para compor o livro, o escritor se debruçou em pesquisas nas obras de cronistas portugueses e franceses que estiveram no Brasil entre os séculos XVI e XVII, na tradução de narrativas contadas pelos povos Taxauas e compiladas pelo frade André Thevet que esteve no Brasil em 1555 e que adquiriu grande conhecimento da cultura tupinambá. De posse dessas narrativas, o escritor as traduziu, juntou com os resultados das pesquisas e elementos da mitologia indígena para compor o monumental livro, que ora inspira a Grande Rio. Paraíso, desastres ambientais, origem do dia e da noite, igualdade social, antropofagia (em um conceito diferente do que entendemos) e o apocalipse (figurado pela onça azul) integram a narrativa. O título, tanto do livro de Musa quanto da adaptação da Grande Rio, traz a metáfora da onça como ser de garra, sagacidade, resiliência e resistência.
Samba-enredo da Grande Rio:
O cordel O testamento da cigana Esmeralda, escrito há mais de 100 anos pelo poeta paraibano Leandro Gomes de Barros, serviu de inspiração para a Escola Imperatriz Leopoldinense compor o enredo Com a sorte virada pra lua segundo o testamento da cigana Esmeralda. Na engenhosa narrativa do cordelista, o testamento pertencente à Cigana Esmeralda foi trazido para o Brasil por um grupo de ciganos. Barros, que é considerado o criador da literatura de cordel, teceu nas 84 estrofes de O testamento da cigana Esmeralda um belo poema que é um encantador compêndio de significados de sonhos, quiromancia e dicas de viver bem.
Samba-enredo da Imperatriz:
Destoando da literatura tradicional, o livro Lunário Perpétuo, inspirou a Escola de Samba de Porto da Pedra a compor o samba-enredo O Lunário Perpétuo: A Profética do Saber Popular. O livro, cuja primeira publicação ocorreu em 1574 na Itália, era um grande almanaque com efemérides, horóscopos, datas com fases da lua, previsões do tempo, eclipses, interpretação de sonhos, comportamentos de alguns insetos como indicativo de chuva, curiosidades, dicas de saúde e biografia de santos. Esses livros se tornaram populares na Europa e no Brasil, por séculos, inclusive no nordeste brasileiro que, tanto nas edições traduzidas e nas adaptações feitas pelos cordelistas, contribuíram para popularizar o Lunário entre os Nordestinos. O historiador e folclorista Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro, cita o almanaque mostrando que as edições e as adaptações, eram objetos consultivos e prazerosos comum nas residências nordestinas. Conta-se que Cascudo tinha a edição de 1918 do Almanaque.
Samba-enredo da Porto da Pedra:
Veja a ordem dos desfiles do Grupo Especial
Domingo (11 de fevereiro)
Porto da Pedra (22:00)
Beija-Flor (23:15)
Salgueiro (00:30)
Grande Rio (01:45)
Unidos da Tijuca (03:00)
Imperatriz (04:150
Segunda-feira (12)
Mocidade (22:00)
Portela (23:15)
Vila Isabel (00:30)
Mangueira (01:45)
Paraíso do Tuiuti (03:00)
Viradouro (04:15)