A única utilidade da extrema direita para a Literatura

Se tem uma coisa que precisamos tirar o chapéu agora é para os conservadores de extrema direita pela competência que eles têm de serem exímios divulgadores de livros de literatura. E o bom é que eles divulgam tão bem que o livro que é vítima da censura, digo, o livro que eles divulgam se torna um fenômeno em vendas.  Se eu pudesse agora, confesso que esconderia todo o meu asco a essa ideologia e abraçaria os artífices da censura do livro O avesso da pele.  Também daria meus parabéns pela magnífica divulgação que eles fazem toda vez que tocam com as mãos de tesoura e da ignorância um livro porque tal obra, em vez de ser excomungada pela sociedade, é mais ainda acolhida a ponto de ser recorde de vendas — como O Avesso da Pele. As vendas desse livro, conforme mostra a imprensa, cresceram 400%. É provável que os editores já tenham reunido para pensar em novas reimpressões dessa obra em caráter de urgência. Suponho que nem o Prêmio Jabuti, o qual o livro em questão foi laureado em 2022 conseguiu impulsionar tanto as vendas. Aliás esse magnífico romance é sucesso e já foi traduzido para 16 idiomas.

É claro que eu, você e todos nós sensatos, afeitos à boa arte e à democracia ficamos indignados com as tentativas de censura ou às censuras isoladas propriamente dita.  No caso, nos indignamos   à tentativa de censura e às acusações feitas pela professora lá do Rio Grande do Sul, depois pela ação do governo do Paraná, por tabelinha o de Goiás e de Mato Grosso do Sul. Como, em pleno século 21 — tão distantes estamos da Inquisição, do Fascismo, do Estado Novo e da ditadura militar — poderíamos imaginar em plena democracia decisões isoladas de censura à arte como essa que levou para o Index Liborum Prohibitorum da direita extrema o livro de Tenório?  Inimaginável! Estamos em tempos tão extremos! Imagine se estes políticos chegarem à presidência do Brasil o estrago que mais uma vez vão fazer. Um já chegou, estragou muita coisa, mas tiramos. Que nunca, nunca de são nunca um desses venha ocupar a Presidência de nosso país, nem Governadoria, nem Prefeitura, nem poder Legislativo ou Judiciário.  O que não podemos deixar é que a histeria da direita acabe com a nossa democracia, nossa liberdade de expressão, ou chegue a uma liberdade de expressão maquiada como tem ocorrido nos Estados Unidos cujos conservadores agem como as ações do Paraná, Goiás e Mato Grosso. A Associação Americana de livrarias não me deixa mentir: só em 2022 mais de 2.500 títulos de livros foram preteridos, seja por restrição ou por proibição — mesmo que tal ação não venha do governo federal ianque.

Lembra daquele prefeito do Rio, o evangélico? Aquele que na época da Bienal mandou retirar a HQ que trazia uma cena de beijo entre pessoas da mesma orientação sexual? O que aconteceu com o livro? Em pouco tempo vendeu tanto que acabou o estoque. O que importa os arroubos dos conservadores de extrema direita se eles não vão ler o livro? Há mais pessoas sensatas no mundo que extremistas! Por isso que quando eles anunciam uma censura ou uma repulsa vem a corrida dos sensatos e intelectuais para a compra: ou porque adiantaram a compra para ler depois da motivação ou porque sabem que se os extremistas recusaram é porque o livro é bom.  Aposto que na escola que a professora preteriu o livro ela acabou atiçando mais ainda as pessoas a lerem essa obra.  Os não racistas, os que não estão nem aí para o racismo policial não vão ler, como de fato, não o leriam mesmo. Mas os que não são desse hediondo segmento da sociedade e que ainda não leram o livro censurado estão agora o acolhendo.  Afinal, alteridade, reflexão, sensatez e razão fazem parte dos que leem a boa literatura e se manifestam contra qualquer ato ou tentativa de censura.

Da próxima vez que os extremistas censurarem um livro ou qualquer outra forma de arte, mesmo que a indignação nos tome conta — o que é absolutamente natural em nós sensatos — devemos ficar felizes. Felizes porque a obra que eles criticarem e preterirem será sucesso de vendas, se for peça ou artes plásticas também será sucesso de público.  Depois da dor, o que teremos é apenas uma propaganda controversa que está ajudando o nosso público a ler mais ou antecipar a compra de um livro. A censura dos conservadores da Estrema é forte propaganda e incentivo à leitura. Eis aí a única utilidade da direita extrema: a atitude sórdida deles de censurar serve para impulsionar a venda de uma obra literária. O que não podemos deixar é que esta histeria da direita acabe com a nossa democracia.

Vald Ribeiro
(vald@revistapalavras.com.br)

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1 comentário

Camila Cris 10 de Abril de 2024 - 2:58 pm
kkkkkk A qualidade da extrema direita. Bem isso.
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