Academia Brasileira de Letras: cada vez mais brasileira

CRÔNICA

A Academia Brasileira de Letras a partir de ontem ficou mais brasileira do que nunca. Não que ela não fosse. Sempre foi, quanto ao conjunto da obra ou dos brasileiros que ali chegaram. Até mesmo no tempo da fundação quando um poeta português teve assento ali como imortal. Na verdade, quem deveria estar no lugar desse poeta português era a esposa dele: a badaladíssima escritora Julia Lopes de Almeida — que contribuiu intensamente para a fundação da ABL. A escritora, apesar de brasileira e famosa na época, foi preterida pelo fato de ser mulher. A recém-nascida ABL, inspirada nos moldes franceses não aceitou uma mulher. Não foi só a força da tradição francesa: foi o silenciamento da intelectualidade feminina! E pensar que só 80 anos depois é que a primeira mulher foi eleita para a Casa de Machado de Assis!

Por falar em Machado de Assis, primeiro negro membro da ABL, só em 2006 é que foi eleito a segunda pessoa preta: Domício Proença Filho. Depois desse ilustre imortal, Gilberto Gil foi eleito. Nenhuma mulher negra foi ainda escolhida para a Academia. Lembro-me agora com tristeza de quando Conceição Evaristo foi candidata e obteve apenas um voto. Quem é que não ficou triste com essa derrota acachapante? A derrota não foi apenas dela, foi de todos nós brasileiros. Porventura essa voz negra e feminina dona de uma literatura pungente e engajada não contribui para a nossa formação cultural? Por que a hegemonia branca se mantém?

E Lima Barreto, um dos maiores e mais intelectuais escritores do Brasil que por três vezes se candidatou à uma cadeira da ABL e em ambas foi preterido? Como ele era? Negro, pobre, morador da periferia.

Mas ontem, 126 anos após a fundação, dentre tantas vozes indígenas da nossa intelectualidade, eis que a ABL faz jus à nossa formação cultural e aos indígenas: Ailton Krenak, eleito tomou posse e se torna Imortal da Academia!  Nos empolgamos com isso. Se eu pudesse cumprimentaria pessoalmente a todos os membros da Casa de Machado de Assis pelo ato de ontem. Diria a eles que é tão gostoso ver a Casa se integrando cada vez mais à nossa cultura diversa e única.

Fico daqui sonhando com o dia em que cordelistas, repentistas, escritoras negras, poetas da periferia também venham a ocupar  cadeiras na nossa nobre ABL.

Vald Ribeiro
(vald@revista palavras.com.br)

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