Lima Barreto, nosso primeiro escritor esquerdista, faz aniversário hoje!

Foto: domínio público com montagem de Vald Ribeiro

CRÔNICA

Quem completa hoje 143 anos é Lima Barreto. Embora desde o dia 1º de novembro de 1922 nosso aniversariante esteja lá no Céu, ou no Limbo, apreciando, ou talvez criticando a Vida Eterna, aqui para nós ele continua vivinho! É o que acontece com os bons artistas: se tornam imortais.  Nosso Lima Barreto é desses que se perpetua no tempo, mesmo que a Academia de Letras, na época, o tenha negado a Imortalidade por duas vezes.

Hoje, além da comemoração do fim jurídico da escravidão, deveria ser também o Dia de Lima Barreto, ou o Dia da Literatura Engajada.   Como não há este dia oficial, pelo menos para mim e para muitas e muitas pessoas ─ hoje é majestosamente o DIA DE LIMA BARRETO!  

Nós, cidadãos revolucionários de esquerda deveríamos comemorar o aniversário deste gênio, como uma das nossas efemérides supremas.  Afinal, Barreto é o nosso primeiro escritor de esquerda, nosso primeiro libertário, mesmo que não tenha se filiado a nenhuma agremiação de esquerda, ou tenha vestido a camisa comunista, anarquista, marxista, ele foi libertário! Claro que caberia a todos os brasileiros, amantes da Quinta Arte, independente da ideologia, louvar Lima Barreto hoje.

Como não se empolgar com essa efeméride?  Nosso Lima foi testemunha literária ocular do Brasil pós-republicano, foi o primeiro grande escritor a tirar da invisibilidade literária os pretos, os trabalhadores, o povo simples da periferia e os inseriu na literatura em uma prosa sem a austeridade e rebuscamento acadêmico. Ele foi o primeiro a criticar o capitalismo e até o culto de brasileiros aos Estados Unidos, pensamento que começava a vicejar na época.

E olha que, apaixonado pelas ideias anarquistas e marxistas, ele poderia ter feito de sua literatura  uma arte  panfletária visando catequisar os leitores para a construção da doce utopia comunista ─ ainda mais que ele escreveu inúmeros artigos para periódicos libertários da época, dos quais O Debate, A Voz do Trabalhador, O ABC. Mas,  desde quando um gênio seria panfletário se ele  possuía o supremo dom da escrita e sabia usar tão bem esse dom para fazer  literatura  de consciência social, de reflexão e libertação?

Quem mais foi tão genial quanto o aniversariante de hoje ao mostrar nos contos, crônicas, romances, artigos e peças teatrais as mazelas do racismo, criticar e se posicionar contra o sistema político

capitalista e excludente da época, e nesse realismo, garantir   a quem leia as suas obras  a deliciosa  fruição literária que só os gênios da literatura podem nos proporcionar?  

Lembrei-me agora da afirmação de Agripino Grieco, quando disse que Barreto foi nosso primeiro criador de almas. As palavras de Grieco pululam ipsis litteris em minha cabeça sempre que falo do nosso escritor libertário: “o nosso primeiro criador de almas. Ele sentiu, como nenhum outro escritor brasileiro, a tristeza e o humor que cabem na vida do pobre”.

O criador de Triste fim de Policarpo Quaresma tinha uma verve, uma filosofia literária tão belamente engajada que é de arrepiar os pelos da nossa alma! Não me sai da cabeça, sempre que penso em literatura engajada, o que  Lima Barreto escreveu em Amplius , do livro Histórias e Sonhos:  “Parece-me que o nosso dever de escritores sinceros e honestos é deixar de lado todas as velhas regras, toda a disciplina exterior dos gêneros, e aproveitar de cada um deles o que puder e procurar, conforme a inspiração própria, para tentar reformar certas usanças, sugerir dúvidas, levantar julgamentos adormecidos, difundir as nossas grandes e altas emoções em face do mundo e do sofrimento dos homens, para soldar, ligar a humanidade em uma maior, em que caibam todas, pela revelação das almas individuais e do que elas têm em comum e dependente entre si.”

Olha o que ele escreve mais à frente:

“Não desejamos mais uma literatura contemplativa, o que raramente ela foi; não é mais uma literatura plástica que queremos, a encontrar beleza em deuses para sempre mortos, manequins atualmente, pois a alma que os animava já se evolou com a morte dos que os adoravam. Não é isso que os nossos dias pedem; mas uma literatura militante para maior glória da nossa espécie na terra e mesmo no Céu.”

Imagine se Marx fosse contemporâneo do nosso escritor e tivesse o prazer de ler ao menos esse fragmento que lhe mostrei. E a galera da Escola de Frankfurt? Se os membros dessa escola lessem a obra de Barreto, ficariam, certamente, contemplados nas suas análises sobre arte.  Se ao menos conhecessem o artigo Amplius, certamente fariam apologias ao nosso autor libertário.

“Uma literatura militante para maior glória da nossa espécie na Terra e mesmo no Céu”, afirmou Lima Barreto, em Amplius! E a literatura que ele fez foi exatamente assim!

É uma pena que o escritor não tenha recebido o reconhecimento social, acadêmico e a glória enquanto estava vivo aqui na Terra. Mas agora, eternizado, ele possui essa glória que contribui “para maior glória da nossa espécie na Terra e mesmo no Céu”.

Então: glória a Lima Barreto no dia de hoje e sempre!

Vald Ribeiro
(vald@revistapalavras.com.br)

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