A mulher que namorava um avião terminou o relacionamento. Soube hoje pelo jornal. Foram nove anos de amor. Não sei se Michele Kobke — este é o nome da mulher, uma alemã de 36 anos —, conhecia o verso famoso de Vinícius, mas a ex-namorada expressou, ao justificar o fim do relacionamento que o amor foi “eterno enquanto durou”. Pela frase dá para inferir que ela foi feliz durante os nove anos de namoro.
Teria o avião — um Boeing 737-800 de 40 toneladas — sido capaz de sentir felicidades nestes nove anos de amor?
Quantas saudades Michele deve ter sentido do namorado metálico enquanto esse cumpria a dura missão de avião sempre viajando recheado de passageiros! Será que ela sentia ciúmes do avião, já que ela sabia que a cada viagem de trabalho muitas pessoas entravam e saiam do avião amado, em vez de apenas ela ter essa primazia? Fico pensando na tensão emocional dessa alemã enquanto o namorado alado estava trabalhando. Provavelmente, a cada viagem, ela teve aqueles naturais preocupações que todo amante tem sobre a possibilidades de acidentes que podem vitimar a pessoa amada.
Vi pela matéria que ela encontrou meios para aplacar a saudade e a ausência do amado: mandou confeccionar uma réplica do avião. A réplica de um metro e meio para aplacar a saudade, viver as relações físicas numa doce transferência simbólica de afetos e prazeres! Também vi que, para ela viver intensamente esse amor, ela conseguiu e trouxe para casa as peças que eram descartadas do namorado nos processos de manutenção. Ainda bem que os mecânicos e a empresa dona da aeronave compreendia Michele e a concedia as antigas peças! Também, quem é que não sentiria sensibilizado com amor tão vívido como esse? Ainda mais que a namorada não poderia jamais ter o amado sempre pertinho, como é direito de todo casal que se ama.
Se eu fosse executivo da empresa desse boeing, eu concederia o direito a Michele de ao menos dormir na aeronave quando esse voltasse ao hangar em Berlim para o descanso e preparação para a manutenção. Se tivesse ocorrido um arranjo assim, talvez ela não teria terminado esse namoro longevo! Ela que tanto fazia planos para se casar com a aeronave amada! Quem sabe o relacionamento dos dois durasse tanto quanto o daquela mulher norte-americana que se casou com uma estação de trem , na Califórnia, depois 36 anos de relacionamento amoroso extraoficial. Inclusive, segundo informaram os jornais da época, essa norte-americana tinha relações intimas com a estação amada! Há também aquela moça também dos Estados Unidos que em 2017, consumou o amor ao se casar com a Torre Eiffel. Quem vai julgar amores como esse de Michele, como o da mulher que se casou com a estação de trem, ou a que se casou com a Torre? Ambas viveram um amor ágape, na essência mais pura e platônica desse nobre sentimento.
Voltei para a matéria no jornal. Fiquei contemplando a face linda de Michele Kobke. Ela sorridente em uma selfie com o agora ex-namorado; ele imponente, sisudo na pista do aeroporto. Embaixo da foto, uma explicação da ex-namorada: “terminamos, mas ainda somos amigos”. Amigos! Pelo menos isso!
Vald Ribeiro
Nota do autor:
Essa crônica foi motivada pela notícia amplamente divulgada esta semana sobre o fim do “namoro” de uma mulher alemã e um Boeing 737-800. Ela se apaixonou pelo avião desde que o viu pela primeira vez há nove anos quando viu a aeronave Tegel, em Berlim. Ao que parece, essa namorada inusitada pode ser uma Objectum-sexual (também conhecido como objectofilia), uma forma de atração sexual por objetos inanimados.