89 segundos para o fim do mundo

Gravura: montagem por Vald Ribeiro

Leio no jornal online que faltam apenas 89 segundos para o fim do mundo.  Essa é agora a nova marca do Relógio do Juízo Final, criado pelos cientistas nucleares Bulletin of the Atomic Scientists! Segundo o jornal, este é o tempo mais curto já ajustado no metafórico relógio que procura alertar os humanos para a aniquilação da Humanidade. As ameaças nucleares em risco iminente!

Agora que faltam apenas 89 segundos resta pensar melhor o que vou fazer para curtir o pouco de tempo que tenho antes da hecatombe mundial. Seria melhor começar com uma reflexão pessoal sobre o que eu não fiz, ora por medo, ora por pura procrastinação? É hora de fazer a pergunta essencial para minha existência: Por que você não seguiu completamente os conselhos de Epicuro?  Mas antes de pensar se eu deveria mesmo esquecer da divindade, do destino e da morte para que eu vivesse melhor e prazerosamente, penso no que muitos e muitos dos meus semelhantes estão fazendo para destruir a humanidade, ou melhor, o planeta.

Há muita gente fomentando a destruição da Terra de forma consciente e na mais completa democracia. Nos Estados Unidos Trump eleito leva para o poder uma pauta destruidora. Os que o elegeram estavam firmes e conscientes no propósito de ajudarem na construção mais rápida da hecatombe? Os estrangeiros ilegais como bode expiatório. Não sai da minha cabeça a imagem daqueles policiais ianques indo de casa em casa procurando estrangeiros ilegais para expulsarem — lembrei daqueles soldados nazistas da Alemanha indo de casa em casa à procura de judeus.  As provocações explicitas vindo do novo poderoso chefão do mundo que insinua novas guerras. Brasileiros aqui já até elegeram um extremista de direita. A ameaça do bolsonarismo suceder o bom-senso de Lula e sua socialdemocracia ainda é real.  Deputados de extrema direita eleitos na Alemanha; na Itália, primeira-ministra de partido da extrema direita. Na França a extremista Marine Le Pen quase ganha as eleições presidenciais por duas vezes; a Argentina escolhe Miley. Extremistas ganham espaço no mundo todo. E há três bicudos no mundo: Trump, Putin e Xi Jinping — todos com toneladas de bombas atômicas capazes de destruir três vezes a Terra.  A macabra fala trumpista de limpar gaza e levar os palestinos para Jordânia e Egito.  Disfunções climáticas por toda parte da Terra. Cada vez mais humanos acreditando em notícias falsas. A inteligência artificial domina o mundo, inclusive nas questões bélicas.  Big Techs e redes sociais destroem paulatinamente razão. Meu vizinho que gosta de usar camisas canarinhas da Seleção Brasileira tem raiva mórbida de mim porque uso camisas vermelhas e voto na Esquerda; eu tenho medo dele.

 A mala nuclear na mão de Trump. Parte do cristianismo distribui preconceitos a humanos de religiosidades diferentes, discriminam quem não é hétero ou não é “conservador”. A cadela do nazismo sempre no cio (Bertolt Brecht tem razão!). A nossa sociedade cada vez mais líquida, a superficialidade dos sentimentos, pessoas em infarto neuronal, conforme diagnosticou Byung-Chul Han… Infarto neuronal ou INFARTO NA ALMA?  Tantas informações, tantas coisas acontecendo e eu posso a qualquer momento ter um infarto neuronal. Estou com uma leve dor de cabeça. Ansiedade?  Indício desse infarto?

Fecho o notebook. Não quero mais essa enchente de informações e inflamações intelectuais. Vou pensar no que resta de minha vida, da vida humana na Terra antes da hacatombe. Penso em Epicuro como a salvação da minha lavoura de sonhos e desejos. Quero a prática das ideias de Epicuro, tomar vinhos especiais, fazer e receber prazeres carnais sem medo de ser feliz, sem medo da divindade, sem medo do destino, sem medo da morte. Vou seguir a experiência dos porcos-espinhos — que Arthur Schopenhauer me mostrou?

Que importa se meus semelhantes estão acabando com o mundo? Não voto na direita nem na extrema direita, não jogo papel de bala no chão, não uso sapato, nem roupa de marcas famosas, não bebo aqueles refrigerantes escuros oriundos dos Estados Unidos, não poluo o ar com carro particular, se baterem numa das minhas faces oferecerei a outra para evitar confusão. Vou manter a leitura de poemas de todos os dias, ler boas literaturas — porque literatura é uma forma de ajudar a melhorar a vida e o mundo.  Vou continuar a analisar marxistamente   o mundo, manter minhas utopias concretas (tal qual dizia Ernst Bloch). Vou soltar o hippie que há em mim. Brincar de fazer bolhas de sabão. Participar de luaus e saraus, ouvir boa música. Olhar as estrelas enquanto ainda há planeta Terra, curtir a brisa, o luar, a praia, a roça. As montanhas, o quintal, o verão, a primavera, o inverno (vinho morno, chocolate e mingau quente, cobertor, livros, aconchego com alguém).

Quando o Relógio do Juízo final marcar meia-noite, sei que fiz a minha parte. E na explosão do fim do mundo, os cacos do meu corpo, explodindo ou implodindo, estarão plenos de paz e prazer. Prazer!  Porque o prazer — afirmava Epicuro — é o princípio e o fim de uma vida feliz!

Vald Ribeiro

(Crônica baseada na notícia:  “Relógio do Juízo Final  é  ajustado em 89 segundos para meia-noite”)

 

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