Café fake

Foto: Vald Ribeiro

Não! Não pode ser! Café por nove e noventa e nove o pacote? Mirtes, no impulso, nem pensou uma vez: tratou de pegar dez pacotes de 250 gramas. Deu uma pausa e resolveu pegar mais dois pacotes.

Consciente do seu papel de gestora econômica do lar e de boa dona de casa, Mirtes perambulava nos dias de compra por diversos supermercados da cidade na busca constante de produtos mais baratos. Era a forma zelosa dela garantir economia para si, o marido e melhores condições de vida para os quatro filhos. Entrou no supermercado para comprar peru ou chester que estavam em promoção ― eram os que sobraram do estoque para as vendas de festas do fim de ano e que agora o supermercado colocava em promoção antes que os produtos perdessem a validade. Também compraria sabão em pó e sabonetes que estavam com preço reduzido. Não tinha como resistir ao preço convidativo do café. Era melhor comprá-los. Que se dane o peru ou o chester e os demais produtos que tinha programado comprar! Se fosse comprar o café com preço normal, os 12 pacotes dariam mais de 300 reais!

Com a cesta carregada entre o braço, passou uma mensagem de áudio para a melhor amiga e vizinha:

— Cris! Promoção de café aqui no Supermercado Tocoió! Tu nem imagina o preço, amiga:  nove e noventa e nove o pacote de 250 grama. Vou levar dois para você. Só não levo mais porque não tenho mais dinheiro. Eu comprei foi   dez pacote de 250 grama para mim.

Segundos depois, a resposta:

— Que baita promoção, amiga! Pega mais três para mim. Aqui eu te pago.

Mirtes calculou o parco dinheiro que tinha: daria para levar mais três pacotes de café para a amiga, só não daria para comprar os demais itens que desejava. Pegou os três pacotes extras. Deu mais uma volta pelo supermercado. Na sessão de frios, olhou compungida para os perus e chesteres na promoção: preço total entre 25 e 80 reais. O café tirava-lhe o direito de comprar uma das aves. Depois recobrou o contentamento. Comprara café para uns dois meses. Quem sabe em outra oportunidade de promoções ainda  compraria o peru, ou o chester. No Natal, não tivera o direito de comprar porque estava muito caro.

Avisou pelo aplicativo de mensagem para o grupo da vizinhança e dos parentes para que fossem urgente ao supermercado comprar o café promocional. Não demorou muito para que a mensagem fizesse efeito nos destinatários. Alguns se mobilizaram, deixaram seus afazeres e partiram para a economia no mercado da promoção.

À noite, o marido achou legal a atitude econômica da mulher e concordou com ela: dado ao preço, era bem melhor o café que o peru. Ainda mais ele, dependente químico de café. Se não tomasse diversos cafezinhos por dia, a dor de cabeça era certa.  Depois de jantar e enquanto assistia ao telejornal tomou o café da promoção. Achou o gosto mais forte e travoso. Deveria ser café extraforte. Não importa. O importante foi a economia.

No dia seguinte, no trabalho, o marido de Mirtes sentira fortes dores de cabeça, o que levou a ele a tomar dois analgésicos que uma amiga lhe emprestara. Por que a dor se ele tomara bastante café em casa? Seria um começo de gripe?

Em casa, Mirtes ainda vivia o contentamento da compra promocional e por ter ajudado algumas famílias a tomar café mais barato, até que a vizinha amiga lhe telefonou:

Miga, o café que você trouxe ontem é fake e…

— Como é fake se eu te entreguei?

— Sim, amiga, mas é falso. Eu descobri a pouco porque eu fui conferir a data de validade. E vi escrito nas letras menores: “sabor café” e depois “pó para preparo de bebida à base de café”. Você não prestou atenção e a gente foi na onda. Tem vizinha aqui reclamando de tu. Vi aqui no grupo, tem muita gente que foi lá no supermercado por sua causa e comprou.

— Meu Deus do céu. Como fui cair nesta esparrela, amiga? Foi enganada!

— Entendo, Mirtes. Olha o grupo aí. Tem gente querendo que você pague o prejuízo delas.

—  Mas eu não posso pagar…

— Eu sei, Mirtes. Mas cê sabe como o povo é.

Eu fiz a divulgação nas melhores das intenções. Por que elas também não perceberam e foram tolas feito eu?

À noite, a boa esposa econômica não teve coragem de falar com o marido. O marido preocupado com as constantes dores de cabeça durante o dia. Mas ele, na maior naturalidade, depois da xícara de café após o jantar, resolveu olhar a marca do café que a esposa comprara e assim entender o gosto esquisito. E ela, antes que ele desse por conta da falsidade do café:

— Amor, me perdoe? Este café é fake. Não vi o nome “sabor” bem pequeno aí na embalagem. Empolgada, eu nem notei. Quem poderia imaginar que até café esses empresário estão agora falsificando? Comprei tanto! E tem …

— E comer peru ficou só no desejo — atravessou o marido. —  Não comemos no fim do ano, nem vamos comer agora. E nem temos mais dinheiro para frangos ou ovos.

—…

—…

E o marido, vendo os olhos da esposa marejarem devido ao lapso que ela cometora na compra:

— Fica assim não. Você fez a comra na melhor das intenções. Teve a hombridade de avisar os vizinhos, nossos parentes só para fazerem uma economia… Cê lembra que eu já comprei leite condensado e creme de leite fakes? E desandou o bolo e os brigadeiros da festa de aniversário do nosso Miguel?

— Mas… me sinto culpada, culpada. Culpada!

— A culpa é desses empresários de uma figa, desses burgueses safados que… aproveitam dos pobres, e da inflação. Gananciosos!  A ganância de ganhar mais e mais dinheiro encontrou mais uma forma de explorar o pobre e…

—  E agora o que vamos fazer com tanto cafeke? Você já teve dores de cabeça por causa dele. Joguei nosso rico dinheiro no lixo. E não comprei o peru.

— Vamos ter que tomar — Respondeu resignado o marido.

— E tua dor de cabeça por causa da falta de cafeína já que este café não tem?

— Vou tomando analgésico. É o jeito.

Ela afagou os ombros do marido e o abraçou. Dentro do abraço ela nem notou a testa franzida, nem os lábios em formato de U invertido do marido. 

Vald Ribeiro

 

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