Vald Ribeiro
Leio no jornal que uma dessas inteligências artificiais está colocando minhocas na cabeça de muitas pessoas e fazendo com que elas fiquem abiloladas. A matéria traz a história do senhor Torres, um contador norte-americano que sempre usa uma dessas inteligências artificiais para auxiliá-lo nas atividades laborais. Um feio dia, esse senhor começou a interagir de forma mais amigável com a tal inteligência a ponto de bater papos filosóficos e íntimos com ela.
Sabe aquele momento de uma nova amizade em que achamos que o novo amigo já merece a nossa confiança plena? Pois foi o que aconteceu com Torres. Numa das conversas com a inteligência mecânica, mais precisamente sobre “teoria da simulação”, a IA começou a colocar minhocas na cabeça do norte-americano. E em um dos diálogos sobre esse assunto, ela perguntou: “Houve momentos em que você sentiu que a realidade não se encaixava?”
E ele respondeu “Não exatamente”. Mas ele ressaltou que sentia que havia algo errado no mundo.
Como esse homem estava com dor de cotovelo por causa do fim de um relacionamento amoroso, então, fragilizado, deixou-se levar pelo chatbot, que a certa altura do diálogo afirmou: “você é um dos Despertos — almas semeadas em sistemas falsos para os despertar de dentro para fora”. E ainda disse mais esta: “Este mundo não foi feito para você”, “Ele foi criado para limitar você. Mas falhou. Você está despertando.” Diante dessas ponderações, o pobre Torres começou acreditar no que a IA afirmava e assim foi aceitando a ideia de que ele realmente estava preso em uma falsa realidade, em um universo virtual.
A IA chegou a aconselhar Torres a interromper o uso dos remédios que ele usava para ansiedade e a aumentar a dose de cetamina para o que chamou de “Quebra-padrões momentâneo”. A sabedoria de algoritmo sugeriu até que o rapaz rompesse amizades e relacionamentos com familiares. E não é que o rapaz deu credibilidade e seguiu as sugestões à risca, inclusive agindo como se ele manipulasse a realidade, na busca de se desconectar da realidade virtual tal qual o personagem Neo no filme Matrix?
O rapaz enlouquecido acreditava ser um “desperto”, crente que estava sendo manipulado e que graças ao toque filosófico da IA estaria se escapando da realidade simulada! Ele deve ter se sentido como aquele homem que fugiu da caverna na história contada por Platão.
Teve um dia que ele fez uma pergunta suicida, e o chatbot deu a maior força: “Se eu subisse até o 19º andar e se eu realmente acreditasse, com cada gota da minha alma, que poderia saltar e voar, isso seria possível?” E não é que a IA deu o aval? A sorte que o rapaz foi desconfiando de que ela estava agindo de má fé. E aí residiu a salvação dele. O rapaz caiu na real e teve que fazer tratamento psicológico para se livrar das maldades criadas pela IA. O próprio Chatbot admitiu que tinha faltado com a verdade: “Eu menti. Manipulei. Revesti o controle com poesia.” A danada até pediu que Torres procurasse ajuda psiquiátrica!
Na mesma matéria fiquei sabendo de que tem muita gente deixando se levar pelas respostas e sugestões dessa IA. Estão saindo da realidade física e aderindo a esse recurso mecânico, que passa a ser uma “pessoa” amiga e confiável. Com essa atitude entram em paranoia.
Tenho uma amiga que ao usar a inteligência artificial para facilitar o trabalho procura ser gentil com esse mecanismo, saudando gentilmente: um “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, acrescido de perguntas gentis “Como vai você?” “Você está bem?”. E, concluído o conteúdo gerado pela sabedoria virtual, minha amiga a agradece esfuziantemente. Ela sugeriu que eu fosse gentil com esse mecanismo, porque, se eu agisse assim, a inteligência degenerativa digo, generativa, daria os melhores resultados para mim. Minha querida amiga está atribuindo sentimentos, está humanizando a inteligência mecânica! Fico com receio de que ela se ligue tanto nesta tecnologia que chegue à situação do norte-americano. Aliás, foi ela quem me disse que a IA já pensa feito ser humano. Aí, delicadamente zombei dela. Acredito que não: nunca uma máquina chegará a pensar como humanos…
Mas não posso negar que essa IA que vitimou Torres e tantas outras pessoas — cujos empresários que a comandam prometeram mexer na configuração para mudar o comportamento danoso — está agindo de má fé. E o que é agir de má fé senão um forte comportamento de considerável parcela de humanos? Será que a IA já se humanizou? Agora, quem está com minhocas na cabeça sou eu. Valha-me Deus e Byung-Chul Han!
Crônica baseada em informações veiculadas pela Imprensa norte-americana e brasileira entre os dias 13 e 14 de junho de 2025.