Malcriação
Soube de um artista italiano que vendeu uma escultura invisível por um valor que corresponde a 87 mil reais. A reportagem mostra que essa obra foi vendida em 2021, mas uma postagem no perfil britânico Pubity nesta semana fez com que a lembrança da obra e do leilão voltasse à tona e polemizasse de novo.
A escultura invisível, segundo o jornal, a mais famosa do artista plástico “ocupa” um espaço de 1,5m x 1,5m. Segundo Salvatore Garau, o autor, a escultura é feita de “ar e espírito”. Fiquei pensando na inusitada matéria-prima usada pelo escultor. Ar, tudo bem, ocupa o espaço, e o espírito? Como o artista conseguiu capturar e plasmar essa matéria-prima? É possível plasmar o ar, o espírito? Que físico, que químico teria conseguido essa façanha? Mas o artista italiano “conseguiu” …
O que pensaram os visitantes das galerias de arte quando foi exposta pela primeira vez a escultura invisível? Algum visitante achou a primeira maravilha da arte? Alguém suspeitou que o artista estivesse blefando? Alguém deve ter tentado tocar na escultura, ou melhor, tocar o nada. Quem é que não gostaria de pôr a mão na escultura? Eu, com a devida permissão tentaria tocá-la. Imagino minha mão em movimentos alheios tocando o vão do espaço de 1,5m x 1,5m da obra imaterial. Certamente eu riria. Riria em silêncio para não atrapalhar a exposição. Riria ao sentir minha mão tocando o nada. Minha imaginação sentiria a obra?
Se eu fosse um connoisseur, ou um colecionista de arte eu não compraria a escultura invisível. Minha consciência dialética me faria acreditar que eu estaria agindo como aquele rei cujos tecelões o vestiu com a roupa invisível. O rei saindo peladão na rua, achando que estava bem-vestido, mas não. Sem trajes, o rei era apenas um bobo, literalmente o bobo da corte.
A arte contemporânea, os artistas contemporâneos nos pregam peças fantásticas, como o da banana afixada na parede com fita adesiva. A banana presa na parede foi vendida para um empresário chinês por US$ 6,2 milhões. E há folgazes como aquele que em um museu em Nova Yorque retirou um dos tênis que calçava e deixou perto de uma parede. Muitas pessoas acharam que se tratava de uma arte fenomenal. Mas a obra era apenas uma pegadinha. O autor da pegadinha não teve a sorte de encontrar um chinês, como o que comprou a banana, nem o que comprou a estátua imaterial.
É liberdade criativa? Oportunismo comercial? Não estou desmerecendo a obra imaterial do artista italiano. A escultura pode ser apenas uma crítica à banalidade da arte e da contemplação consumista. Mas o fato é que Garau subverte o conceito de arte, para um novo conceito. Arte não seria mais criação, seria descriação?
Hoje à tarde, entre goles de vinho e queijo, perguntei à minha amiga filósofa e artista sobre o que ela presumia que seria o conceito de arte diante da escultura de Garau. Perguntei filosoficamente a ela:
— Arte é descriação, nesse contexto?
E ela, categórica:
— Arte é Malcriação…
Vald Ribeiro