A modernidade mudou a vida humana em vários aspectos, um deles é a relação do homem com os livros e a literatura. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura, o Brasil hoje conta com mais não leitores do que leitores, tendo perdido cerca de 7 milhões desde a última edição da pesquisa realizada. Vale ressaltar, que ainda segundo a pesquisa, apenas 18% dos brasileiros leem literatura.
Num mundo dominado pelos romances, autoajuda e finanças, fica a dúvida sobre o espaço da poesia. Em levantamento feito no dia 7 de novembro pelo Jornal da USP, embora constem diversos títulos literários entre os 50 mais vendidos do site da Amazon— inclusive algumas peças de Shakespeare— , não há um livro explicitamente de poesia nessa lista.
Em meio ao caos da modernidade, quem explica um pouco melhor o espaço da poesia no mundo moderno é Fernando Paixão, escritor e professor do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
Arte poética na modernidade
Segundo Paixão, a arte poética sempre acompanha o período em que ela existe, sendo definida como uma “arte de fazer”. “Cada vez que a gente sonha, que a gente fala um provérbio, de certa maneira, é um ato poético. No meu livro, que lancei agora há pouco, Descoberta da Poesia, eu tenho um capítulo justamente sobre a poética do tempo presente. Lá, eu digo que a nossa sociedade atual é o que um filósofo polonês diz, é uma modernidade líquida”, inicia o escritor.
Para Paixão, vivemos numa sociedade onde as instituições, paixões e crenças são provisórias, com uma vivência multifacetada, fragmentada, destituída de um eixo central e de transcendência. Segundo o professor, a constante mutação é algo bom, mas acaba criando uma certa angústia que gera sua própria potencialidade poética. “A poética de hoje é justamente uma poética que captura essa sensibilidade líquida na vivência de hoje, numa vivência fragmentada, sem crenças, muita ironia, pouca transcendência.”
A morte da poesia
Embora seja visível um processo de perda do lugar nobre da arte poética, Paixão destaca esse processo como algo bom. Segundo ele, esse é um movimento que vem desde as vanguardas do século passado: “Se a gente pensar no futurismo, nas vanguardas do início do século, justamente elas quiseram romper com essa nobreza da poesia. Mas fizeram tanta loucura também que depois perdeu um pouco o sentido. Depois da Segunda Guerra, as vanguardas experimentais, fazendo tudo misturado, não sei o quê, também não perdeu a sua razão de ser. Então, eu acho que a gente tem que entender sempre a coisa dentro de uma perspectiva histórica”.
Clássico X Moderno
A potencialidade das formas clássicas não é algo a ser desconsiderado. Para Paixão, é possível aprender sobre a arte poética por meio delas: “A forma clássica nos mostra a potencialidade, os recursos para fazer poesia. Se a gente acha que fazer poesia é apenas botar um sentimento no papel do jeito que a gente fala, a gente escreve, a gente está fazendo uma má poesia. Se a gente pegar um soneto mesmo, os sonetos de Camões têm imagens e coisas maravilhosas. Tem a ode, a elegia… Essas formas fixas, elas são um continente. Ela é um arcabouço, ela é uma forma. Mas o que você põe dentro dela tem que ser contemporâneo, tem que ser de uma visão contemporânea. É claro que não dá mais para ficar escrevendo soneto sobre uma amada, como antigamente, mas isso não quer dizer que tem que abandonar o soneto”.
O professor ainda destaca o rap e os slams como formas de poesia da atualidade. Ainda diz que, por vezes, eles se apropriam de recursos da tradição: “Você vai ver que existe uma poética que está aí, que tenta responder ao momento atual”, completa.
A poesia também pode ser uma ferramenta no letramento infantil e encontra muitas possibilidades e caminhos ainda dentro do ambiente escolar. Por meio dela, podem se criar mecanismos que ajudem na relação das crianças e dos adolescentes com o mundo, criando uma maior expressividade dos sentimentos. Segundo Paixão, “você pode começar a trabalhar poesia com quadras populares, com coisas do folclore, como você pode pegar um grego, um autor grego. Acho que a poesia é um grande continente e qualquer coisa de nós está sempre por dentro de um pedaço. A escola tem uma função, sobretudo, de fazer o aluno ter uma relação lúdica com a linguagem. A literatura ajuda muito nessa formação emocional do aluno, e a poesia está dentro disso, no sentido do uso da linguagem, de como a linguagem brinca consigo mesma”.
Poiesis, “produção” em grego
A poesia é um ato dentro da linguagem, e o homem é um animal que se define por dominar uma certa linguagem. A poesia é o trabalho da forma, um ato dentro da linguagem que busca romper, como um salto para fora disso. “Olha, a poesia começa desde que o homem começou praticamente a inventar a linguagem. E certamente vai acompanhar o ser humano até o final dos tempos, que pode ser que não esteja muito longe”, completa Paixão.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira