Sábado, 27 de Dezembro de 2025
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A moça e o picolé de Marmelo

por Palavras!

Daqui da minha cadeira sobre o sol morno da Praia de Iguabinha, vejo o carro dos meus sonhos: uma Kombi corujinha pintada ao jeito hippie. O estilo de vida dos donos do carro — um homem calmo e da mulher delgada e meiga   — me chamam a atenção. Bem que o jeito romântico dos dois se tocarem, sorrirem combinam com o meu desejo de realização amorosa.  Os dois parecem que se amam loucamente, parecem unidos por um amor  indelével, límpido e picante. Estão tão absortos que agem como se fossem os únicos seres humanos na praia.

Entre beijos, bicotas e coceguinhas fincam na areia um belo guarda-sol de cores azul, branco e rosa a pouca distância da Kombi. Agora montam uma mesinha redonda.  Uma baqueta é montada por eles. Sobre a mesinha, colocam duas pequenas e lindas cestinhas, provavelmente de vime — parecidas com aquelas de piquenique que a gente só vê em desenhos animados. Entre carinhos e romantismo, vão paulatinamente montando os apetrechos que os deixarão confortáveis nesta tarde.

Vejo-os sentados nas banquetas tomando suco em um mesmo copo — face a face, olhos nos olhos, narizes que se tocam enquanto cada   um dos pombinhos apaixonados suga em canudos que parecem de bambu um líquido esverdeado, que lentamente diminui no copo de cristal.

Agora os dois saem de mãos dadas saltitando feito duas crianças serelepes em direção à praia meiga. Os dois avançam água adentro como que quisessem atravessar o oceano… mas é apenas Araruama rasa, tênue e salgada.

Eles, pequenos pela distância lagoa adentro! Um jogando água no outro. Estão felizes! Dá para ver pelos gestos ligeiros. Parecem que riem muito.  Provavelmente, nem notaram que Iguabinha está lotada de humanos, cada humano querendo curtir a vida!  Também nem notaram que em meio a tantas pessoas, eles seriam, seguramente, os mais felizes!  Felizes porque estavam unidos pelo belo, verdadeiro e indissolúvel laço do amor.

Talvez nem perceberam, enquanto estavam na areia, este grupo animado em volta de uma bela balzaquiana cantado MPB e love songs dos anos 80. A cantora usa play-black. Vez por outra ela encara a tela do notebook aberto e conectado a uma caixa de som. provavelmente está visualizando a letra enquanto canta.

A tarde é linda! São quatro horas. Fico pensando no casal romântico e sensual da kombi corujinha: se eles chegaram já no declínio da tarde devem ter vindo de outra praia. Quem sabe veio de Búzios, passou pela Praia Seca, Praia das Espumas, Arraial do Cabo e chegaram aqui para terminar o dia neste pequeno paraíso fluminense.

Daqui já não dá mais para ver o casal apaixonado. Devem estar sentados na água e estão no maior love. A salgadíssima água a temperar os beijos… quem sabe entraram em um desses barquinhos que ficam flutuando pela laguna e estão passeando.

Volto meu olhar para a Kombi. É bela! Graciosa! Sensual! As kombis corujinhas têm essas virtudes.  Os traços sensuais que podem ser vistos por várias possibilidades. Daqui, imagino: a frente e as curvas em V salientadas por um metal prata parecem o contorno de um biquíni. A cintura de uma mulher de biquíni! A logomarca como um grande umbigo de mulher. Fico rindo dos meus pensamentos malucos e volto a atualizar meu sonho de consumo. Uma Kombi como esta: pinturas com motivos hippies. A minha teria   fundo azul… motivos e desenhos vermelhos, verdes, dourados, pretos, também o símbolo do anarquismo em verde e branco.

Fico imaginando uma cama conversível no carro, que de dia, ao retraí-la, seria uma mesa. Uma estante com meus escritores e poetas clássicos favoritos: Drummond, T.S. Eliot, Bandeira, Caio F, Quintana, Clarice, Lygia, Neruda, Casimiro de Abreu, os Veríssimos pai e filho, Manoel Bandeira, Rubem Braga… e uns livros de autores novos…. Uma pequena adega com vinhos tintos e vinhos verdes — que combinam com uma praia — cada um para um momento especial. Uma pequena geladeira com cervejas preta, puro malte, pilsen. Minha Kombi teria um teto conversível de forma que à noite possa ser retraído para se contemplar o céu. No porta-malas, teria vitrola portátil e um espaço para meus vinis favoritos. E quando eu parasse num lugar, como esse aqui, tiraria a vitrolinha, colocaria um LPs de MPB, rock, forró pé de serra, clássicas, samba, reggae, axé das antigas, jazz, bossa nova… teria um bom CD player e pendrives cheios de músicas boas…  A minha corujinha teria janelas tipo safari para quando eu estiver viajando eu possa sentir a brisa natural. De pós-modernidade, eu queria um dispositivo para produção de energia solar (que deveria ficar em uma parte discreta que não atrapalhar a beleza do carro).

Minha Kombi seria meu hotel, meu motel, minha cozinha, meu escritório, meu trem, meu avião, meu balão, meu xodó… meu e da alma gêmea — que ainda não tenho — mas que espero avidamente. E, caso um dia eu tenha, o carro do meu anelo será nosso ninho de amor.

Um dia ainda compro e monto uma Kombi dessa. Irei a Porto Seguro, Maraú, Arembepe, Jeriquaquara, Belém do Pará, Chuí, Lagoa dos Patos, São Miguel dos Milagres, Praia do Futuro, Miguel Pereira, Rio de Contas, Pajuçara, Pantanal…  a América! Conhecer quase toda a América… quem sabe com a minha alma gêmea do lado!   E se eu a não tiver ainda minha cara metade, irei só mesmo!  A cada praia haverei de arrumar namoro com uma mulher nativa — como esta bela moça de óculos que passou agora vendendo picolé de milho verde, açaí e marmelo.  Que delícia é o picolé de marmelo! O picolé moreno como a tez dessa linda morena nativa que me sorri toda vez que eu compro um picolé.

O sol vai tingindo de ouro e carmim a tarde. Olho para a lagoa dourada:  as pessoas se preparando para sair. A moça do picolé passa de novo por mim. Ela me dá um sorriso. Compro mais um picolé de marmelo.

     A tarde é bela, suave e deliciosa como essa moça… como esse picolé de marmelo.

Vald Ribeiro
(vald@revistapalavras.com.br)

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2 comentário

Claudio 28 de Abril de 2024 - 12:31 am

Não esqueça o vinil da Janis Joplin e o papel de seda!
Ahhhh, granola e pão integral tb!

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Palavras! 28 de Abril de 2024 - 1:40 pm

Sim. Bem lembrado, Claudio. E não pode faltar “Piece of My Heart” que é linda na voz dela. Na verdade todas as músicas de Janis Joplin são essenciais. Papel de seda… Ah! Granola e pão integral também ( já fazem parte da minha dieta). (Vald Ribeiro)

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