O melhor falso pão francês do mundo é o do Rio de Janeiro. Escrevo “falso pão francês” porque o pãozinho de sal vendido aqui no Brasil não é, nem aqui nem na China, ou melhor, na França, um pão francês. A história de chamar nosso pãozinho de sal de “pão francês” remonta ao século 19. Naquela época, as pessoas mais abastadas do Rio de Janeiro, após passearem pela França, chegavam por aqui elogiando um certo pão de sal gostoso que existia por lá. Aqui, eles descreviam como era o tal pãozinho para os padeiros que, no afã de agradar aos abonados cariocas, inventaram — mesmo sem conhecimento da receita — uma baguete e a chamaram de pão francês. Percebe-se, então, que da receita francesa nosso pãozinho não tem nada! Nosso pão francês é, de fato, uma invenção brasileira!
Como eu ia escrevendo: o melhor falso pão francês do mundo é do Rio de Janeiro. Olha que conheço diversas regiões do Brasil e nunca, nunca de são nunca, encontrei um pão tão gostoso quanto os do Rio de Janeiro! Deve haver um tempero, um ingrediente secreto que só os padeiros fluminenses usam para fazer este pãozinho ficar tão gostoso assim. Um manjar dos deuses!
Não importa onde você se delicie com esse manjar, mas o encanto verdadeiro está em saboreá-lo em uma padaria. Logo cedo, por volta das seis da manhã, em meio ao alarido de dezenas de pessoas apressadas que compram suas rações matinais para levarem às suas respectivas residências. Nesse burburinho — entre saudações e conversas sobre as cenas da novela, os lances do futebol da noite anterior ou as últimas notícias da violência no Rio — pedir um pingado e um ou dois pãezinhos bem amanteigados é viver um dos momentos mais deliciosos e singulares da vida.
Para enriquecer ainda mais o café da manhã, é aconselhável, antes de se acomodar no balcão ou, com sorte, em uma das mesinhas da padaria, adquirir um jornal na banca próxima. Enquanto aguarda o café, vale a pena folhear o jornal ou observar calmamente as manchetes. Ah, o aroma inebriante e encantador do jornal! Não há nada melhor pela manhã do que o cheiro de pão fresco e de jornal em uma padaria do Rio de Janeiro! E após se deleitar com esses aromas, o ideal é saborear com tranquilidade o café com leite e os deliciosos falsos pães franceses.
Sempre que vou ao Rio, dispenso os requintados cafés da manhã no hotel ou na casa de amigos. Parto, bem cedinho, para qualquer padaria da Cidade Maravilhosa. Às vezes, sou mais ousado: pego um ônibus ou a barca, atravesso a Baía de Guanabara e vou a uma padaria em Niterói, de preferência lá para as bandas de Pendotiba ou Caramujo. Tem dias que sou mais audacioso ainda: dirijo-me a São Gonçalo. Vou a Neves, ou a Alcântara e, ultimamente, a uma padaria em uma determinada rua do bairro Porto da Pedra para, enfim fazer meu desjejum. Descobri que, quanto mais periférico o bairro, mais gostoso é o pão. É por isso que faço tamanho esforço!
Acredito que tenho autoridade para elogiar e defender este pão, pois não sou carioca. Sou um paulista com raízes baianas. Apesar de ser extremamente apaixonado pelo Rio, considero que utilizo a razão para enaltecer este espetacular pãozinho.
E por falar em paulista, pode até parecer loucura ou obsessão o que vou escrever agora: da próxima vez que eu for a São Paulo, levarei alguns pães franceses do Rio, irei direto para o Mercadão Municipal e pedirei, diplomaticamente, a um daqueles vendedores de lanche para que faça o tradicional sanduíche de mortadela com esses pães. Já pensou? Se o sanduíche de mortadela já é gostoso com o pão paulistano, imagine com o do Rio de Janeiro? Olha, sou apaixonado pelo pão com mortadela lá do Mercadão de São Paulo – que é também um manjar dos deuses! E, com essa nova composição, acho que o manjar dos deuses paulistano ficará ainda mais divino!
Vald Ribeiro
(Vald@revistapalavras.com.br)