Foi na Avenida Brasil, se não me falha a memória, que vi o primeiro outdoor: um senhor de cabelos grisalhos dentro de uma imagem em formato de coração. O homem sorridente segurava dois cachorrinhos. Só depois que vi os nomes dos pets é que concluí que se tratava de duas delicadas cadelinhas. Em letras garrafais e fundo rosa estava a frase: “Procura-se uma namorada”. Na parte inferior o endereço da rede social, na parte superior o nome do anunciante. Que propaganda engraçada! Exclamei para mim mesmo. Que empresa faria uma propaganda dessa? Como assim “procura-se uma namorada”? Enquanto eu fazia minhas primeiras ruminações do enunciado vi mais um outdoor com a mesma propaganda. Mal eu segui por outra avenida vi mais outro. Depois mais outro e outro e mais dos mesmos outdoors por diversas ruas cariocas. Seria certamente uma empresa lançando uma enigmática e criativa campanha publicitária. Que produto?
O impacto da propaganda no meu cérebro: eu freneticamente pensando no sentido da publicidade. E tive vergonha de mim, de perceber que uma publicidade em plena rua mexeu sensivelmente comigo, mexeu bem mais que certas literaturas que leio. Como uma publicidade pode me impactar tanto? Coisa que se o pessoal da Escola de Frankfurt fosse vivo e soubesse do que passa em meu cérebro agora, certamente diriam que eu era apenas mais um cidadão vítima da comunicação capitalista, feita para mexer com a gente. Inclusive senti vergonha de mim mesmo ao curvar-me tanto diante de um dispositivo capitalista. E se a publicidade fosse apenas uma ação de um inveterado romântico, de um senhor em meia idade à procura da alma gêmea?
Só hoje, três dias após as minhas primeiras visualizações nas ruas do Rio é que vi a notícia sobre a propaganda. O que eu tinha visto não foi mera publicidade capitalista, eram os ditames de um coração desejoso à procura de um novo amor. Se trata de um empresário de 54 anos. Viúvo há quatro anos, ele está agora à procura de uma namorada. E foi aí que entendi a propaganda! Um senhor de 54 anos, um legítimo membro da geração X, cujo romantismo não foi corroído pela insensibilidade e superficialidade da pós-modernidade. “O empresário gastou 40 mil reais para espalhar 50 outdoors pelo Rio”, informa a matéria em um portal de notícia. Um burguês romântico. Há romantismo também em um coração burguês! As cifras não destruíram o romantismo desse homem que está prestes a cruzar o portal da terceira idade, e que traz no peito um anelo sublime e inefável de jovens apaixonados.
Um empresário! Fosse um pobre proletário guardaria o desejo de ter um novo amor, ou quem sabe lançaria frases indiretas nas redes sociais na esperança de fisgar uma namorada, ou iria para clubes de gafieira dar cantadas fortuitas à toda mulher sozinha que estivesse por lá.
Mas o empresário apaixonado é apenas um homem que usou o poder da grana e da tecnologia publicitária. Um homem tal qual o príncipe do conto Cinderela . Não há mais bailes com convocatórias para candidatas ao casamento — como nos contos de fada — mas há outdoors e há a imprensa substituindo os arautos. O caso do outdoor é um mote para um conto de fadas pós-moderno.
Tomara que a história desse empresário tenha um final feliz como aquela do príncipe que encontrou Cinderela. Oxalá apareça uma princesa com os mesmos princípios éticos da pobre moça do conto fantástico e que ele e a nova namorada sejam felizes para sempre, ou como bem disse Vinicius que o amor deles “seja eterno enquanto dure’ — nas palavras do Poetinha reside a primordial direção do amor moderno, eterno enquanto durar; um amor real sem a dúbia eternidade muitas vezes cansativa e feita apenas para manter as convenções religiosas.
Onde andará a Cinderela do empresário? Será que ele é esnobe, será que ele é humilde? Ele se contentaria com mulher oriunda da pobreza para ser sua companheira? Ele procura uma burguesa?
Se ele estiver procurando apenas uma moça ou senhora de sangue burguês, ainda assim desejo que ele tenha êxito, mesmo que para isso ele tenha que recorrer a estratégias como a usada no conto A Princesa e a Ervilha, recontado por Hans Christian Andersen.
Vald Ribeiro
(vald@revistapalavras.com.br)