Sexta-feira, 26 de Dezembro de 2025
Sexta-feira, 26 de Dezembro de 2025
Início » Há 159 anos nascia o pai da literatura de cordel

Há 159 anos nascia o pai da literatura de cordel

por Palavras!
Foto: Reprodução

Por Vald Ribeiro

No dia 9 de setembro de 1976, em uma crônica publicada no Jornal do Brasil, Carlos Drummond de Andrade concedeu o título   de “príncipe dos poetas” ao Cordelista Leandro Gomes de Barros, considerado o pai da literatura de cordel. Na crônica, Drummond tece uma crítica ácida aos 36 dos  173 poetas escolhidos pela Revista Fon-Fon que, em um concurso realizado em 1913 elegeu Olavo Bilac como o príncipe dos poetas. Drummond deixa bem claro na crônica que o título dado pela antiga revista literária foi injusto. Para o poeta mineiro,  o verdadeiro príncipe dos poetas seria  o paraibano Leandro Gomes de Barros. A lembrança de Drummond demonstra a importância da obra do poeta paraibano para a literatura brasileira, sobretudo para os nordestinos, berço do que se convencionou chamar de literatura de cordel.

Foi exatamente no dia 13 de novembro de 1865 na Fazenda Melancia situada no município de Pombal, na Paraíba, que Leandro Gomes de Barros nasceu. Embora tenha falecido prematuramente aos 53 anos, vítima da gripe espanhola, Barros escreveu cerca de 240 obras literárias entre folhetos e romances, obras que sempre foram  sucessos de público a ponto de o poeta viver exclusivamente da venda de suas obras. Apesar dos estudos acadêmicos empreendidos nos últimos 50 anos sobre a literatura de cordel no Brasil ainda não se tem um número exato das obras produzidas pelo paraibano. Câmara Cascudo aponta que o cordelista teria mais de mil obras publicadas. Entre uma e outra informação o fato é que Barros foi sem dúvida um prolixo e bem-sucedido autor de poesia de cordel cujas vendas não ficaram restritas apenas ao entorno de Recife, local em que ele passou a maior parte da vida.

Ele tinha uma vasta rede de distribuição e vendas de suas obras que se estendia por diversas cidades do Nordeste e até do Norte do Brasil. Na quarta capa de muitas de  suas publicações era comum apresentar   endereços  de representantes e revendedores espalhados pelo país. Além das redes de distribuição,  os folhetos do Pai da Literatura de Cordel eram encontrados em livrarias. Também era possível encomendar essas obras pelos Correios, em um sistema de distribuição gerenciado pelo próprio autor. O enorme sucesso editorial o consagrou na época como o rei dos poetas populares.

Da mesma forma que Homero não foi o primeiro poeta a fazer uma epopeia, Barros se figura na mesma condição: este é considerado o primeiro cordelista brasileiro e o pai da literatura de cordel; aquele o fundador da epopeia, e, portanto, o pai da epopeia. No caso específico de Homero, basta citar A Epopeia de Gilgamesh, escrita a 2000 a.C. ao passo que a Odisseia data do Século VIII a.C.  já na literatura de cordel, conforme assinala a estudiosa Ruth Terra no livro  A Literatura de folhetos nos Fundos Villa-Lobos, há registros de uma obra literária no estilo de cordel publicado em 1865 em Recife. Também, conforme o pesquisador José Alves Sobrinho, o poeta e repentista Silvino Pirauá, contemporâneo de Barros teria adaptado   narrativas tradicionais para o estilo de cordel escrevendo-as a mão. Segundo o pesquisador Itamar Salles, o folheto História de Zezinho e Mariquinha foi o primeiro cordel impresso por intermédio de Leandro. Essas ações anteriores não tira o título de Barros porque coube a ele estruturar e esmerar a literatura de cordel nos moldes que conhecemos hoje. Neste sentido, a literatura de cordel no Brasil tem o DNA de Leandro Gomes de Barros.

Vale salientar que o termo literatura de cordel — que passou a ser usado a partir da década de 70 do século passado para designar os folhetos literários no Brasil  —  foi inspirado nos livretos de novelas populares  produzidos na Península Ibérica, sobretudo em Portugal, já que por lá esses livretos  eram vendidos na rua estendidos em cordéis.  O nome emprestado do estilo europeu não condiz com a realidade da nossa literatura dita de cordel — já que em nosso país a venda desse tipo de literatura era feita em bancas, ou em maletas muitas vezes acomodadas no chão em um determinado espaço público. Outro elemento importante que difere nossa dita literatura de cordel da arte portuguesa é o fato de que por lá os livretos geralmente apresentavam narrativas em prosa, ao passo que no Brasil são elaboradas em versos muito bem arquitetados obedecendo a uma métrica rígida e disposição de rimas cuidadosamente bem colocadas nas estrofes.  Por isso, muitos poetas não aceitam o termo literatura de cordel porque  o nome não está em sintonia com a realidade dessa   arte brasileira; preferem o termo folheto, tal qual é o nome tradicional para esse rico gênero literário.

 Já que o termo literatura de cordel se difundiu a ponto de si inserir no consciente coletivo, então convém usá-lo ainda e afirmar que Leandro Gomes de Barros foi o pai da nossa literatura de cordel não só porque   ele ajudou a formatar esse estilo tal qual conhecemos hoje, mas também por ser  o primeiro a imprimir, publicar e difundir  essa arte encantadora.

Outro elemento que enriquece a nossa literatura de cordel é a brasilidade e inventividade de Barros. Influenciado pelos repentistas e cantadores que marcaram sua vida, sobretudo entre os 11 e 15 anos,  quando morou na Serra do Teixeira na Paraíba, o poeta absorveu a rica tradição poética desses intelectuais. Essa região, rica em repentistas e cantadores, foi um ambiente fértil para que Barros entrasse em contato com as narrativas fantásticas da literatura oral. Em suas cantorias, esses intelectuais transmitiam um repertório diversificado de histórias, desde adaptações de narrativas europeias até criações originais da nossa cultura.

Leandro foi poeta consciente da realidade social, política econômica, e cultural da época.  Além da ficção, sua obra literária apresenta em muitos folhetos  temas sobre a realidade social da Brasil — em uma época em que nas regiões ao sul do Nordeste brasileiro prevalecia o Simbolismo e o Parnasianismo enquanto estilos literários alheios às questões sociais e da realidade brasileira.

Em muitas obras, Barro emprega   como pano de fundo ou em abordagens  centrais a realidade social sempre em temas como desigualdade social, inflação, pagamento de impostos, guerras, transformações das cidades e dos meios de transportes. Há obras em que o autor se firma como cronista ao narrar fatos sociais ou políticos de que ele vivenciou. O autor explorou também temas ligados aos costumes da época ressaltando o ganho ou perda dos valores morais. Em todas as narrativas poéticas predomina o bom humor, a sátira, a ironia e a crítica bem aguçada.

Até hoje Leandro Gomes de Barros é lembrado não apenas por ser o pai da literatura de cordel, mas porque sua obra perpassa no tempo e é ainda hoje lido e sempre é referência para todo poeta da literatura de cordel e fonte inspiradora para  muitos escritores a exemplo de Ariano Suassuna e Jorge Amado.  Neste sentido, ele é mais um escritor imortal da literatura brasileira que completa hoje 159 anos.

Mais:

COMENTÁRIO

Usamos cookies e tecnologias similares para aprimorar sua experiência, personalizar publicidade e recomendar conteúdo. Ao continuar usando nossos serviços, você concorda com o uso dessas funcionalidades. PROSSEGUIR Políitica de Privacidade

-
00:00
00:00
Update Required Flash plugin
-
00:00
00:00